As coisas do mundo – Simone Torres – Auto conhecimento

As coisas do mundo


“O ser humano procura e pesquisa em todos os campos! Fala-se acertadamente sobre o desejo e a sede de querer saber. Praticamente quase não existe nada que ele já não tenha investigado. O ser humano terreno deseja descobrir e esclarecer tudo, menos a sua vida e a sua existência.”

Roselis von Sass, Fios do Destino Determinam a Vida Humana

Em casa, observo uma pequena tigela de cobre feita com relevos decorativos, cunhados à dança de um martelo. O objeto bastante artesanal poderia passar despercebido, não fosse meu olhar atento e algo demorado depositado nele quase sempre.

Provavelmente gerações de nossos antepassados teriam feito algo muito melhor, ainda nos tempos em que dormíamos em cabanas fincadas em clareiras na floresta e o modo de vida poderia ser chamado de pré-histórico.

Ainda assim, aquela simples tigelinha guardava um significado especial para mim: eu mesma havia feito o artefato quando jovem.

Lidar com metais não me transformou em artífice no assunto, mas manusear aquele material em transformação me trouxe uma experiência vivencial importante, que me seria útil mais tarde e ao longo da vida.

A maleabilidade do cobre, seu brilho, textura e até mesmo cheiro deixaram impressões. Talvez um dos aspectos mais interessantes de sua lida fosse uma singular flexibilidade, sem dar cabo de sua estrutura e certa firmeza. Mais resistente e durável que uma tigela de madeira ou cerâmica, ele era firme e ao mesmo tempo se deixava moldar facilmente por uma força superior. Também tinha uma excelente condutividade de energia, recebendo e transmitindo-a com muita facilidade.

Foram algumas horas manuseando o metal até que uma simples chapa, atordoada por um martelo insistente, se transformasse em um durável recipiente, que resistiria aos séculos. Enquanto minhas mãos aprendiam o caminho para lidar com o recurso, toda a vivência imprimia algo de próprio em mim.

Muitos anos depois, ao ser colocada diante do conceito de flexibilidade e da capacidade de se alinhar aos movimentos exigidos pela vida, sem abrir mão de nossa força e estrutura, a imagem da tigelinha surgiu de repente, clara e nítida. Eu não só sabia o que significava aquilo: eu havia experimentado o significado, de forma bastante material, visível, concreta e compreensível. Palpável.

A tigelinha repousava quieta enquanto eu ainda olhava para ela. Condutividade… Capacidade de receber… Se moldar… Se movimentar sem quebrar… Ter estrutura.

Divaguei por muitos outros metais, pedras, animais, plantas, invenções… Como era importante algum conhecimento das “coisas do mundo”. Que fascinante conhecer todas elas, pensei. Todas as flores, todas as químicas, todas as línguas, todas as experiências interessantes na matéria. Mas espere. Havia tempo para tudo isso, ao menos nesta vida? Provavelmente não.

As “coisas do mundo” são algo muito engraçado. Muitas pessoas não se interessam por seu brilho, deixando-as de lado, como um prato aparentemente insosso que não tem nada demais a oferecer. “Nada demais?” pensei, aturdida pela riqueza de detalhes que nos escapam do contato mais aprofundado com a vida todos os dias.

No entanto, todo esse brilho ainda me espreitava, ardente, como se quisesse ainda dizer algo. Perigo? Perigo.

Seguir o rastro das “coisas do mundo” sem freios e com mera curiosidade vã, podia ser um caminho sem volta.

Há tantos jornais para ler, tantas ideias para ouvir, tantos sabores a se deleitar, tantas teorias sobre o mercado ou tecnologias novas para conhecer, que chega a ser fácil se levar sem retorno pelas coisas dessa matéria.

Essa ânsia, quando guiada somente por um raciocínio curioso e entediado, longe de ser um conhecimento saudável e construtivo, parece atuar como uma estranha sede que nunca se satisfaz.

São como brilhos e luzes na mata densa que podem nos distrair com gracejos, curiosidades, diversões, chamadas e notícias sem fim que atraem nossa atenção – e facilmente nos fazem esquecer o caminho da jornada.

As “coisas do mundo” são intrigantes ferramentas feitas ao feitio das Leis da Criação. Ao bom observador, proporcionam um mergulho proveitoso e necessário para expansão da sabedoria e dos limites da alma. Ao mergulhador descuidado, no entanto, se transformam em armadilha abissal: atraído constantemente pelo fosforescente brilho, ele petisca cada vez mais fundo enquanto seu oxigênio vital se esgota; atingindo assim profundidades realmente perigosas para o mergulho humano na matéria.

Caroline Derschner

Blog: O Vaga-Lume

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